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A psicanálise, o Psicanalista e a Cura

Há algum tempo venho me perguntando o quê um sujeito que padece de um sofrimento psíquico busca, quando marca uma entrevista com um psicanalista. Uma resolução para um amor não correspondido, esquecer a morte de um ente querido, aceitar-se diferente dos demais, um querer sem fim de ser exatamente igual aos demais, autoconhecimento, melhorar autoestima, deixar de se machucar (seja no real do corpo, como nas tantas fraturas psíquicas), enfim… São muitos os pedidos possíveis.

Ao psicanalista, não cabe o norte da cura. Nem do autoconhecimento, do aumento da autoestima, dos curativos pra esse tanto de machucados, muito menos a solução para a morte de um ente querido. Entretanto, em um percurso analítico, certamente atravessamos todas estas questões. Inclusive a cura. Mesmo que nem precisemos tocar nestes assuntos.

“Tocar nestes assuntos”. Não podemos, nem conseguimos. Quem toca, se necessário, é o sujeito que nos procura. Toca com a sua maneira particular de fala de si, do seu sofrimento, de suas questões. Ao psicanalista, como nos lembra bem Freud, a partir de ninguém menos que Leonardo Da Vinci, cabe conduzir o processo analítico per via di levare, como os escultores, diferente dos pintores que operam per via di porre. Os pintores, acrescentam cores, tintas, tons que não estavam na tela antes deles atuarem. Aos escultores, como aos psicanalistas, cabe operar per via di levare, pois retira da pedra os excessos, aquilo que vela a forma singular de cada sujeito estruturar-se. Cabe pontuar aquilo que há de imaginário. Dar lugar, bem como convocar o inconsciente e a possibilidade de uma escuta que aposte que ali, há algo a saber.

Freud dizia que o analista não tem como objetivo particular a eliminação dos sintomas de sofrimento, mas que, a partir de uma conduta onde a ética da psicanálise vigorasse, ela (a cura) ocorreria como “um benefício anexo”. Lacan, algumas décadas depois, dirá que a “(…) a cura é um benefício por acréscimo do tratamento psicanalítico; ele (o analista) se abstém de todo abuso do desejo de curar”.

Esta necessidade de se abster “de todo abuso do desejo de curar” se da por conta de não haver algo mais imaginário, particular (ou se preferirem, subjetivo) do que a ideia de cura. O sintoma surge como uma questão. Algo que se repete à revelia sujeito. O sintoma, gosto de pensar assim, trata-se de uma pinta que chama atenção no corpo do sujeito. Daí a necessidade de olhar para ela. Dar atenção, dar um lugar. Alguém que objetive a cura, pega seu bisturi e a retira. Extirpa do corpo exatamente aquilo que veio para chamar à atenção. Mas, via deslocamento, esta pinta, ou melhor, esta questão vai deslizar. Criando pontos e mais pontos. Questões e mais questões. Pintas, atrás de pintas.

Até que, enfim, o sujeito busque alguém que deixe de perguntar o “Porquê”, deixe de buscar uma causa. Substituindo esta investigação “causa-e-efeito”, por uma investigação que objetive, a partir de agora, saber “Para que” algo teima em acontecer.

Se o psicanalista pega seu bisturi, e extirpa este sintoma de “sempre ficar com caras que não prestam”, por exemplo, ele não estará agindo em direção à uma responsabilização do analisando para com seu desejo. O foco não é acabar com o sintoma, mas questionar quanto à função, quanto à funcionalidade desta posição, de “sempre ficar com caras que não prestam.”, na dinâmica psíquica deste sujeito.

Termino citando Nasio, um psicanalista que escreve para todos (iniciantes, ou não), que nos brinda em seu livro “Como um psicanalista trabalha?” com um aforismo de Abroise Paré, “Eu o trato, Deus o cura”, em que traduz com maestria aquilo que proponho com este texto, isto é, falar da escuta do psicanalista, e os efeitos de uma análise que não se proponha curar o sujeito, mas sim, dar lugar a ele: “Eu o escuto, presto-me ao jogo das forças pulsionais, a psicanálise o cura.”.

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